Namorados Para Sempre (Blue Valentine)

Abordar profundamente relacionamentos, sem firulas, e confrontando todos os dogmas e sentimentos complexos envolvidos, é, na humilde opinião deste crítico, um dos maiores desafios de diretores e roteirista da sétima arte. É como derrubar uma caixa de abelhas dentro de uma sala lotada: quando ela vier ao chão, a probabilidade de muitos saírem feridos é grande.

Talvez por isso, muitas vezes, o tema seja repudiado pelo público geral, pois no final a intenção dessas longas não é agradar, e sim revelar as facetas quase sempre escondidas da vida a dois. Mesmo Kubrick foi criticado por seu contundente ato final "De Olhos Bem Fechados", onde explora os tabus da monogamia de forma teatral e emblemática, provando como o medo da verdade realmente incomoda.

"Blue Valentine" (ou "Namorados para Sempre") segue por este caminho. No Brasil ele é descaradamente vendido como um romance água com açúcar, começando pela adaptação do nome enganadora. Mas na verdade se trata de um réquiem destinado ao fim do relacionamento dos personagens principais, apresentando, vamos dizer... Com requintes de crueldade, como um sentimento belo pode se transformar em algo vazio e desprovido de vida.


Dirigido por Derek Cianfrance, que também assina o roteiro ao lado de Cami Delavigne e Joey Curtis, "Blue Valentine" apresenta Cindy e Dean, casal que tem uma filha pequena e que passa por uma forte crise no relacionamento. O ponto alto do filme, além dos personagens moldados com perfeição, é sua inteligente atemporalidade, que, depois de uma cena carregada de intolerância e decepção, nos leva, por exemplo, ao momento em que os dois se conheceram, ainda muito jovens e belos, sem saber o que a vida lhes reservava. É esta ironia o "requinte de crueldade" que citei no início.

Nos papéis principais estão dois excelentes atores em ascensão. Ryan Gosling traz sua naturalidade característica para Dean, moldando com perfeição um jovem independente e com talentos para arte, mas que por falta de oportunidade gasta seu tempo em serviços braçais e pouco interessantes. Tudo isso no futuro se transforma em uma espécie de mágoa reprimida, que o faz seguir adiante de forma inerte, tentando não sentir muito (de olhos bem fechados) os desvios que sua vida tomou, culminando é claro em um comportamento desleixado, imaturo e por vezes violento, que é potencializado pela bebida e a falta de compreensão da mulher que um dia lhe amou.


Já Michelle Williams não poderia se encaixar melhor no papel de Cindy, uma jovem estudante de medicina que, assim como Dean, é igualmente independente e que desde cedo leva uma vida livre e levemente inconsequente. A seriedade por vezes irritante da atriz, assim como sua feição cansada e penosa, é empregada com perfeição na Cindy do futuro, enquanto seu sorriso cativante e sua beleza única é a chave do carisma da personagem no passado. Diferente do marido, ela não consegue mais disfarçar sua insatisfação, fazendo a vez de vilã da separação.

Na verdade, a fita deixa bem claro que, neste caso em particular, não existe um vilão em específico. Alguns fatos contundentes sobre o relacionamento dos dois são apresentados de forma cadenciada durante a história, e eles podem pesar no julgamento de quem está mais certo ou não, ou mesmo quem merecia um pouco mais de consideração ou não, mas qualquer tipo de análise pode parecer uma injustiça, e realmente será.     


E diante deste show de interpretação, o diretor Cianfrance não apareceu como um mero apoio. Possuindo um currículo voltado totalmente para a produção documental, ele aproveita para empregar o estilo no filme, tornando tudo dolorosamente real e belo. Sua câmera capta de forma extremamente orgânica todas as nuances, todos os detalhes que nos fazem entender os motivos por trás do início e do fim. Da mão dada até o primeiro beijo, somos conquistados pelo jovem casal cheio de esperanças, e vendo os olhos cansados e a aparência maltratada dos mesmos, podemos perceber como o mundo dá voltas.

No final, "Blue Valetine" mostra de forma impiedosa a tênue linha que divide  amor e ódio. O longa apresenta o fatídico momento em que as responsabilidades da vida transformam um relacionamento em algo perturbado, onde a competitividade e impaciência reinam, onde o sexo é estranho e conturbado, onde criar uma filha, sustentar uma casa e ir para um emprego ruim parecem fardos insuportavelmente pesados. Não fique surpreso ao sentir-se arrasado depois de assistir este filme, mas é importante lembrar que: todos estamos sujeitos a enfrentar problemas assim, mesmo que em menor escala. Por isso histórias como esta são mais que recomendadas.



Namorados Para Sempre/ Blue Valentine: Estados Unidos/ 2010/ 112 min/ Direção: Derek Cianfrance/ Elenco: Ryan Gosling, Michelle Williams, Faith Wladyka, John Doman, Mike Vogel, Ben Shenkman

[COLE AQUI]